domingo, 29 de julho de 2007

Os dias de Setembro



Os dias em Setembro têm uma cor e uma luz diferente, são dias!


Daqueles dias em que com a chuva “murracinha” apetece ir à pesca e ficar molhado, mesmo sem trazer de volta o que foi motivo para uma manhã bem passada.


As manhãs de Setembro são manhãs! Valem a pena! São frescas, mas por vezes trazem-nos o calor morno do fim do Verão e as tardes onde se vê o Sol como que a despedir-se num até para o ano que se renova todos os dias.


É bom sentir o cheiro da terra molhada, o cheiro das ervas que eram secas e agora ficaram tombadas com a humidade das manhãs de Setembro.


No outro lado do ano, quando as manhãs são parecidas, aparecem os caracóis, agora, com as primeiras chuvas, eles voltam a aparecer como que enganados pela Natureza.


Dizia-me um amigo, que agora não se podem comer, estão grávidos.


As sensações que colhemos em manhãs assim, só nos podem trazer óptimas, excelentes, emoções. Emoções que um campesino, desenraizado na cidade grande, necessita para se reciclar, e não tem engenho nem arte para as transmitir. Se calhar elas, as emoções e as sensações, também não se querem revelar, escondendo-se, não se deixando traduzir por escrito de modo a ficarem guardadas para que apanhar desprevenidos os que estiverem de coração aberto e se quiserem deixar surpreender e seduzir.


Texto de Rui Loução

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Falar sem palavras


Alguém falou da tristeza e do vazio do olhar dos animais.
Vi a tristeza, em certos momentos, no olhar do cão.
A tristeza de quem quer chegar à palavra e não consegue.
Mas não vi o vazio. O vazio está talvez nos nossos olhos.
quando por vezes nos perdemos dentro de nós mesmos.
Ou quando buscamos um sentido e não achamos.
O cão sabia o sentido, o seu sentido. E nunca se perdia.
(...)


Era verdade. Durante uns dias o cão não falou. Digo bem:
não falou. A fala é muito complicada. Está antes da palavra,
como a poesia. E aquele cão falava. Falava com os seus vários
modos de silêncio, falava com o andar, com as inclinações
da cabeça, com o levantar ou baixar as orelhas. Daquela vez
calou-se por completo. Não falou com nenhum dos seus sinais.
Nem sequer com o seu silêncio.

Alegre, Manuel, Cão Como Nós, Dom Quixote

A Natureza na poesia

Campo

Estou só nos campos
A doce noite murmura
A lua me ilumina
Corre em meu coração um rio de frescura
De tudo o que sonhou minha alma se aproxima






Manhã

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro
Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro





InscriçãoQuando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar


Andresen, Sophia de Mello Breyner, Obra Poética, livro sexto, Editorial Caminho

O elo quebrado


A Natureza cria no homem uma multiplicidade de sensações e emoções capazes de despertar os sentimentos mais antagónicos – desde o prazer proporcionado pela contemplação da beleza, harmonia e equilíbrio naturais, até ao terror e impotência gerados por catástrofes e fenómenos naturais - tudo pode ser vivenciado pelo homem no seu contacto com a Natureza.



No início dos tempos, os mitos primordiais permitiram ao homem restaurar a harmonia quebrada, recuperar a estabilidade e segurança perdidas, garantindo-lhe o seu lugar ontológico, definindo atitudes, comportamentos e valores.

A perda de contacto com os mitos primordiais, por vezes, tão irrelevante para a actual sociedade tecnológica, fez-nos perder todo o saber ingénuo, mas eficaz, para conhecer e compreender o verdadeiro significado da vida, contribuindo para que a nossa relação com o ambiente natural se tenha tornado tão desequilibrada.

A história de Prometeu deveria lembrar-nos que o poder tecnológico que o homem tem acumulado se tornou quase divino, correndo o risco de com ele destruir o seu próprio mundo.

O poder do homem actual é aterrador!

Ao quebrar os laços com a Natureza, o homem quebra o elo da cadeia que o liga a essa harmonia e equilíbrio de forças assentes em leis naturais e inexoráveis.

O homem, longe de se submeter ao jogo de forças da natureza, tem vindo progressivamente a impor a sua condição de “sapiens sapiens”, criando novas regras justificadas pelo lugar particular que ocupa na cadeia dos seres.

Autodenominando-se o ser mais inteligente do Universo, desde sempre o homem fez do saber um poder que nem sempre tem sabido gerir de forma responsável, sobrepondo interesses económicos, políticos, e sociais à preservação da Natureza, tornando-se, por isso mesmo, cada vez mais vulnerável, ainda que o oculte sobre a forma de poder e domínio.

Como só preservamos aquilo que conhecemos é , sem dúvida, indispensável um aumento de conhecimentos sobre o Planeta e a vida em geral, porém aos esforços da ciência urge associar rápidas mudanças de atitudes e de comportamentos.

A mudança não pode ser um processo unicamente racional e intelectual.


Em nome do progresso têm sido cometidas verdadeiras atrocidades em relação à Natureza e ao próprio homem: guerras, violações dos direitos humanos, destruição de ecossistemas, extermínio de espécies animais e vegetais, poluição, são alguns dos exemplos frequentes que, pela habituação, já quase se banalizaram, conduzindo-nos à indiferença e passividade.



MarK Twain afirmou : “ O homem é o único animal que cora: ou que tem motivos para isso.”

Talvez seja a vergonha que obrigue a tantas declarações de intenções, a tantos compromissos político-sociais, a tantas promessas por cumprir.

Temos ao nosso alcance fazer do Planeta um paraíso ou um inferno, a resposta a esse desafio conta com todos os elos da imensa cadeia da vida, a decisão será de cada um !


domingo, 6 de maio de 2007

Homens e animais




Ao longo da História, os seres humanos têm tido sempre a maior das preocupações em se distinguirem dos animais. Falamos , raciocinamos, imaginamos, prevemos, adoramos, amamos. E eles não o fazem. A insistência histórica num fosso intransponível entre os seres humanos e os outros animais sugere que tem por fundamento alguma necessidade ou função. Porque é que nós, seres humanos, tão frequentemente nos autodefinimos por via da diferenciação dos animais? Porque é que essa distinção entre homem e besta é tão importante?(...)

(...) Assim, a distinção entre o Homem e a besta serviu para manter o Homem no topo. As pessoas definem-se a si mesmas como diferentes ou semelhantes dos animais consoante é conveniente ou divertido, por forma a manterem a sua predominância sobre eles. (...)

Masson, J., McCarthy, S., Quando os Elefantes Choram, Sinais de Fogo

Emoções animais



Os animais choram. Pelo menos, vocalizam a dor ou tristeza, e em muitos casos parecem até pedir ajuda. Muitas pessoas acreditam assim que os animais podem estar infelizes e que experienciam sentimentos primários tais como felicidade, raiva ou medo. o comum leigo acredita facilmente que o seu cão, gato, papagaio ou cavalo tem sentimentos.

Masson,J.,McCarthy, S., Quando os elefantes choram, Sinais de Fogo



Emoções humanas



A emoção e os sentimentos constituem a base daquilo que os seres humanos têm descrito desde há milénios como alma ou espírito humano.(...)

É bem sabido que, sob certas circunstâncias, as emoções perturbam o raciocínio. As provas disso são abundantes e estão na origem dos bons conselhos com que temos sido educados. Mantém a cabeça fria, mantém as emoções ao largo! Não deixes que as paixões interfiram no bom juízo. Em resultado disso, concebemos habitualmente as emoções como uma faculdade mental supranumerária, um parceiro do nosso pensamento racional que é dispensável e imposto pela natureza. Se a emoção é aprazível, fruímo-la como um luxo; se é dolorosa, sofremo-la como um intruso indesejado. Em qualquer dos casos, o conselho dos sábios será o de que devemos experenciar as emoções e os sentimentos apenas em quantidades adequadas. Devemos ser razoáveis.

Damásio, António, O Erro de Descartes, Publicações Europa-América

sábado, 5 de maio de 2007

Dimensão cultural do homem



Sem homem não há cultura. Mas sem cultura não há homem.
Pode-se discutir se o homem actual nasce com a cultura ou, o que é infinitamente mais verosímil, com a faculdade de assimilar a cultura da sua época. (...)
O homem se não aprender, não sabe que fazer dos materiais com os quais edifica a mais rudimentar das choças. Ele não sabe fabricar um utensílio por instinto. É necessário inclusivamente ensiná-lo a andar. (...)
Em virtude do seu legado, o homem afastou-se do animal, mas tornou.se estreitamente dependente dos outro homens.
Clarke, Robert, O Nascimento do Homem, Gradiva

A dimensão social da natureza humana



Constitui uma ideia já aceite que o homem não tem natureza, mas sim que tem - ou melhor que é - uma história.(...)
Na verdade, o comportamento, no homem, não deve à hereditariedade específica uma parte tão importante como nos outros animais. (...)
A vida rígida, determinada e regulada por uma dada natureza, substitui-se nesse caso pela existência aberta, criadora e ordenadora de uma natureza adquirida.
Deste modo, pela acção das circunstâncias culturais, poderá aparecer uma pluralidade de tipos sociais e não um único tipo específico, diversificando a humanidade no espaço e no tempo. O que a análise das próprias semelhanças mostra de comum nos homens é uma estrutura de possibilidades que não pode manifestar-se sem contexto social, seja ele qual for.

Malson, Lucien , As Crianças Selvagens - mito e realidade, Livraria Civilização

sexta-feira, 4 de maio de 2007

O homem é um mistério para si próprio


O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. A natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como de não poder fitar os seus próprios olhos.
Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego, Alma azul

terça-feira, 1 de maio de 2007

O homem contranatura

Para se convencer da sua singularidade, o género humano - ou a parte do género humano que se arroga o direito de falar em seu nome - levanta barreiras à sua volta e coloca-se em oposição ao resto dos seres animados. (...) A causa que desencadeou a erupção do género humano, separando-o do mundo animal e material, a diferença que permitiu ao homem içar-se acima das outras espécies - ou de outras fracções da humanidade: primitivos, mulheres, crianças, etc., tidos como mais próximos da animalidade - são facetas desse problema. O afastamento em relação à natureza, a formulação de uma ordem à parte, artificial, representa actualmente a substância da sua solução (...)
Moscivici, Serge, A Sociedade Contranatura, Livraria Bertrand

O Homem é uma incognita para si próprio


Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do género homo, da espécie sapiens, que o nosso corpo é uma máquina com trinta biliões de células, controlada e procriada por um sistema genético que se constitui no decurso de uma longa evolução de 2 a 3 biliões de anos, que o cérebro com que nós pensamos, a boca com que falamos, a mão com que escrevemos são orgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono, de hidrogénio e de azoto.
Morin, Edgar, O Paradigma Perdido, Publicações Europa-América